quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

São Paulo - impressões 2009

Em São Paulo tudo é mais concreto. E não há horizonte à vista, pois há sempre um prédio bloqueando a paisagem, de modo que a cidade só é contemplável na perspectiva aérea, dos mil e tantos helicópteros que plainam diários sobre ela e que nos devolve, volta e meia (via satélite-cabo-tv) flagrantes policiais de violência.
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Avistável apenas do alto, São Paulo só me vem à mente como paisagem vertical rapinada do terraço do Sesc Paulista. E eu descreio sempre daquele impossível mirante posto entre imensas antenas de transmissão que põem loucos todos os aparelhos eletrônicos último tipo made in Corea.
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A cidade é aquele vento zunindo frigidíssimo na orelha, noturno e cinematográfico, fingindo-se possível o seu amor por nós. Aquela faixa cinzenta, que quando a umidade do ar é pouca, torna o dia mais noite, engole estrelas soturnas, e entope postos de saúde com crianças ávidas por ar.
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E somos pequenos nas ruas, e solitários, e sedentos. A gente encarna sem querer aqueles personagens perdidos/pervertidos/melancólicos do Caio Fernando Abreu. Famílias terrivelmente felizes de Aquino, o inferno provisório de Ruffato, que hoje eu ando pensando que é aquele que sabe de tudo, e vai mais fundo do que qualquer pézinho de Mirisola julgue poder ir.
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E eu queria ver ovnis lançando raios do alto do Masp, fazendo tremer o vão onde turistas fotografam o vazio. Ovnis que incendiassem a mata obscena do Parque que há em frente, com suas árvores cobertas de fuligem; e o sensabor daquela natureza cercada, castrada, escassa e inútil.
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Eu pensando comigo que esse povo elegeu Kassab para fazer São Paulo mais triste. Mais burocrática e repleta de proibições. Sem altdoors numa cidade com vocação para pôr-se à venda. Meretriz feliz, a quem agora arrancam da boca o cigarro, obrigando-a a voltar para casa, sóbria, pois os bares fecham mais cedo e não há bingo onde possa jogar fora o pouco valor que lhe resta (ela é das que se perdem por uma ficha). Por consolo, não lhe sobrará nem mesmo a possibilidade do álcool, para arrebentar os cornos bêbada num poste.
Querem impor-lhe o fim do vício, uma pureza de legislação, a virtude a seco. E ela vai acabar louca, metendo a cara dentro da passagem estreita da privada da quitinete no cantinho da Augusta, alugada por uns 1.500 reais, o dedinho premendo a descarga. Imagino o bilhete suicida falhado no espelho com batom: "Ka, filho da puta, essa morte é para tua estatística cidade-limpa. Logo tu Brutus, eu que já fui musa-rebordosa, e a favor de todas as minorias viadas, como tu."
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Há sempre um viaduto sobre todos nós. Um cão ganindo ao pé de um mendigo, um pedinte e um cego, um menino encardido da cabeça aos pés. Há sempre o engrolar anasalado de um coreano, um turco doido, um judeu que passa sisudo, uma banca de jornal com suas news, carros desfilando egos, filmes cults nos camelôs à porta do Unibanco, sebos com últimos cults, emos efeminados e garotas iludidas com delineador que destilam estilosas neo-melancolias.
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Em São Paulo, faltam os "S" e os "EMES" em todos os plurais, ninguém tem tempo para profilaxia linguística, prolixidade litúrgica. Ninguém atura sensibilidades alheias, delicadezas desinteressadas. Ninguém manda recado, a gente manda torpedos e explode via email messenger fax nossas mais intensas e irredutíveis paixões eternas.
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Em São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino. Em São Paulo, todos paulistas estamos sempre de passagem. E de tão vista, no transitar, no ir e vir cansativo dos ônibus-trem-metrô casa-trabalho, nosso corpo tenso se eletrifica: a vida são vans impedidas de circular. Ela, a cidade com nome de santo atarracado, faz-se tão nitidamente espelhada e concreta que a gente não se vê quando a miramos, como se ela fosse o arquétipo da coisa: cidade em si. De tão dura e presente, ela, contraditoriamente, torna-se invisível, invisibilidade que nos estarreceria se antes ela não nos tivesse cegado.

E tateamos.

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