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Nesta edição da ]JANELA[, vamos falar sobre roteiro de cinema. Não espere encontrar aqui a fórmula para um bom script. Também não espere encontrar alguma lista com os melhores roteiros da história ou dos melhores roteiristas da sétima arte. O que você vai se deparar é com uma coletânea de depoimentos de profissionais do cinema realizado em Goiás. Textos que buscam responder de forma simples e sintética as perguntas que abrem esse texto: “O que é um bom roteiro de cinema para você? Por quê? Cite um exemplo de filme”.
Além disso, nós fizemos uma pesquisa e listamos alguns livros disponíveis no mercado editorial brasileiro para quem deseja atuar como roteirista. Você vai encontrar dicas para contar uma boa história, construir personagens etc. Vai encontrar livros para quem deseja atuar tanto com ficção (a maioria dos títulos), quanto para quem pretende trabalhar com cinema documentário (embora existam pouquíssimas publicações destinadas ao roteiro para esse gênero no Brasil). Há também livros para quem quer escrever para televisão; textos para quem deseja trabalhar com novas mídias; e muito mais.
Escrever roteiro não é uma tarefa fácil. E se você quer mesmo algumas dicas, aqui vão algumas bem previsíveis: leia muito; assista a muitos filmes; assista muitas vezes aos filmes que gosta (e que, especificamente, você julga ter um bom roteiro); faça cursos e oficinas de roteiro sempre que tiver uma oportunidade; e, principalmente, escreva e reescreva muito. Outra coisa: vale muito a pena trocar ideias com quem tem mais experiência que você.
Pensando nisso, a ]JANELA[ compartilha aqui algumas dicas sobre o processo de criação do roteirista mexicano Guillermo Arriaga, que esteve no Brasil para ministrar um workshop no II Ficção Viva: Encontros com Cineastas Ibero-americanos, realizado entre os dias 24 e 25 de novembro na cidade de Curitiba – PR. O roteirista foi vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes de 2005 por Os três enterros de Melquiades Estrada” e foi indicado ao Oscar porBabel, em 2007. Arriaga assina também o roteiro de Amores Brutos(2000), 21 Gramas (2003) e o roteiro e direção de Vidas que se cruzam (2008).
GUILLERMO ARRIAGA E SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO
A PALAVRA
Arriaga salienta que é importante escolher uma única palavra para descrever a história. Essa palavra deve carregar o objetivo dramático da trama e é ela que vai nortear toda a equipe para que tenham clareza do tema do filme. Por exemplo, em Amores Brutos (2000), a palavra é “amor”; em Três enterros (2005) é “amizade”; em Babel(2006) é “incomunicação”.
O CONCEITO
Para Arriaga, o conceito é a estrutura e a estética do filme. É um elemento fundamental para que se saiba qual o tom do filme, sua atmosfera. O roteirista observa que o conceito não é uma questão meramente formal, mas que diz respeito ao conteúdo, à substância do filme. Em Vidas que se cruzam (2008), Arriaga buscou nos quatro elementos da natureza (água, ar, terra e fogo) o conceito para sua obra.
A CONJUNTURA
Os fios da trama de um filme são os fios do tempo que convergem para um ponto. Arriaga chama esse ponto de “conjuntura”. É importante que o roteirista pense sobre quais foram os momentos prévios importantes na composição daquela conjuntura, tanto os motivos internos (dos personagens) quanto os motivos externos. Um bom escritor consegue articular acontecimentos externos e internos na construção de suas tramas.
A DECISÃO
É importante que o roteirista defina se seu personagem decide ou se decidem por ele. Arriaga observa que, em geral, o público se identifica com personagens que assumem as rédeas de suas vidas. O roteiro deve conduzir o personagem a um momento de decisão. Isso significa tirá-lo da sua zona de conforto.
PERSONALIDADE E CARÁTER
Na composição dos personagens é importante definir a personalidade e o caráter. A personalidade é o modo provável de se comportar e o caráter é o modo necessário. Por exemplo, supõe-se que uma mulher generosa e simpática não irá agir de modo rude em seu cotidiano. Entretanto, cabe ao roteirista testar o seu caráter e expô-la a situações que a obrigue a fazer “o necessário”, ainda que isso contrarie a sua personalidade. Arriaga afirma que é mais interessante um personagem obrigado a expor seu caráter (seu limite), do que parado em sua zona de conforto.
CONTAR HISTÓRIA
Para Arriaga, uma história não tem essência, portanto, ela é aquilo que se mostra. É papel do roteirista avançar na narrativa, revelar o personagem e colorir a trama. E ao contrário do que muitos consideram, Arriaga diz que o roteiro é uma forma literária, com suas especificidades como qualquer outra, tais como um romance, um conto, uma novela. Em absoluto, não é apenas um texto técnico, mas uma obra artística. Guillermo diz que não admite que seu texto seja modificado. Cada palavra no roteiro não está ali por acaso e precisa ser respeitada. Reforça também que o roteirista precisa se apropriar dos muitos elementos da linguagem audiovisual, como a luz, por exemplo. Ele afirma que a luz tem uma função narrativa muito importante e fica admirado com o fato de que muitos escritores não levam isso em consideração, nem buscam um equilíbrio entre cenas que ocorrem durante o dia ou à noite, ou cenas internas e externas. Uma cena que ocorre à noite pode provocar uma reação emocional bem diferente se a mesma cena ocorresse durante o dia. Arriaga chama ainda a atenção para a função dramática da roupa. Há casos em que a roupa tem um peso emocional na trama. Em Três enterros(2005), um policial é obrigado a despir-se de sua farda e usar a roupa do homem que foi sua vítima. Arriaga salienta que destituir a farda de seu personagem tem um poder simbólico importante e conferiu um peso emocional à cena.
QUAL A SUA TRADIÇÃO?
Saber a qual tradição cinematográfica pertence é fundamental para o roteirista, ou seja, deve-se buscar saber qual o tipo de história se quer contar e como. Arriaga afirma que há muitos filmes onde “nada” acontece e outros com ação dramática intensa. O roteirista mexicano considera-se filiado à segunda categoria, porque gosta de contar histórias, de mostrar os dramas de seus personagens. Na opinião de Arriaga, esta é uma escolha que o roteirista precisa fazer.
CICATRIZ
Arriaga observa que muitos filmes contemporâneos mostram pessoas chatas, vivendo suas vidas chatas. Essa “chatice” é própria da vida urbana, tão cheia de perigos que tem levado as pessoas a se protegerem do mundo. Ao viverem assim, tão protegidas, as pessoas experimentam pouco o mundo. E como fazemos filmes sobre nós mesmos, temos uma grande safra de filmes insossos, sem graça – assim como a vida que corre atrás das câmeras. O roteirista comenta que compramos roupas e calçados surrados, com aspecto de usados, porque eles revelam uma vida intensa que, de fato, não temos. Vivemos num mundo cheio de artifícios, asséptico e por estarmos assim, tão protegidos, nem cicatrizes nós temos (marcas dos acontecimentos, da vida, impressas na nossa pele). Segundo Guillermo, as tatuagens (em toda a sua artificialidade) são as cicatrizes do homem contemporâneo.
DIÁLOGOS
Cinema é imagem. Então o trabalho do roteirista é contar histórias com imagens. Arriaga diz que os diálogos não devem ser maiores do que duas linhas, porque mais que isso significa que o roteirista está explicando a trama para o público. Sobre o pior erro que um roteirista pode cometer, veja a seção DICA.
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