[SINOPSE: Ambientado em 1985, Pequenas Coisas Como Estas narra a história de Bill Furlong (Cillian Murphy), um vendedor de carvão em uma pequena cidade irlandesa dominada pela influência da Igreja Católica. Às vésperas do Natal, Bill faz uma descoberta chocante ao encontrar uma mulher aprisionada em um galpão de carvão, vítima de punições impostas pelas Lavanderias Madalena, onde a Igreja mantinha aquelas que eram consideradas "fora do padrão". Este encontro provoca um conflito interno profundo em Bill, que se vê dividido entre a emoção e a moralidade. À medida que os segredos obscuros da cidade começam a emergir, Bill confronta suas próprias memórias de infância, repletas de pobreza e anseios não realizados. Enquanto se lembra do Natal em que ganhou uma simples bolsa de água quente em vez do desejado quebra-cabeça, ele se questiona sobre o que significa realmente a bondade e a compaixão em um mundo marcado pelo silêncio e pela opressão. Em uma jornada de autodescoberta, Bill se vê desafiado a agir e a lutar por justiça, redefinindo o verdadeiro espírito natalino em meio a revelações dolorosas.]
Um dos filmes mais silenciosos que vi na via. Nada é verbalizado diretamente. Não há conflito verbais. E no entanto a tensão é intensa do começo ao fim, tornando dificil ver o filme pelo grau de ansiedade que provoca. Cillian é de fato um gênio, pois sua atuação evoca esse pai de família afundado em profunda infelicidade, apesar de ter seu próprio negócio - trabalha arduamente, - ser casado com uma mulher simplória e racional, ter cinco filhas que ama e protege. Mas ele é um poço sem fim de dor e infelicidade, não só pelo passado. Nos flashbacks temos ele e sua mãe solteira (ou abandonada pelo marido) que foi acolhida por uma fazendeira rica e amorosa vivendo um cotidiano de parcos recursos, mas te possibilidade de futuro. A mãe namora o filho/sobrinho da dona da casa, mas ela sofre um derrame e morre na frente do filho. A criança é adotada/acolhida pela senhora e o rapaz o trata como se fosse um filho. Num salto, ele já vive essa vida duríssima de carvoeiro, e embora não fale, ele observa a miséria generalizada na cidade que vive, e como, principalmente, as crianças sofrem pela miséria, fome, pais abusivos e a própria Igreja.
O conflito do filme é subreptício e se manifesta quando ele observa os maus tratos que sofrem as garotas "que se perderam" e são aprisionadas num convento, onde freiras autoritárias, as torturam e submetem a horas exaustivo de trabalho em lavanderias. Em nenhum momento ele diz nada à madre superiora, mas ela o chantageia pois compra o seu carvão, recebe suas 5 filhas na escola e controlam toda a cidade. Ela chega a fazer um cartão-propina endereçado à sua esposa. O ápice do horror e hipocrisia é o sermão autoritário feito pela madre superiora na Igreja para toda cidade, evocando a bondade cristã e a obediência servil dos fiéis.
Outra cena marcante é quando a dona do pub conversas em portas fechadas com ele num diálogo em que nada se diz clamamente, mas que se entende que ele não pode entrar em conflito com as freiras para não ser prejudicado. No final, o único e grande ato de rebeldia é resgatar uma das meninas grávidas num depósito de carvão, atravessar a cidade e leva-la para casa.
O momento em que ele chega em casa todo sujo de carvão e vai até o banheiro, pega uma escova e se esfrega freneticamente para limpar mãos e unhas do carvão simbolizam o horror de um sujeito bom que tem que "se sujar" numa época injusta e violenta, e buscar depois de se submeter ao mundo, retornar a sua casa para um outra vida, fingindo que não enxerga a dor e a vilaneza do mundo.
Tudo isso é feito por Cillian numa interpretação contida, intensa, angustiante. Ele é o símbolo do conflito moral entre sobreviver e se calar diante da injúria e mal do mundo. Por isso, fisicamente, no olhar, nas relações ele está sempre DESCONFORTÁVEL.
Um filme tristíssimo, também sobre empatia, insubordinação e resistência diante dos poderosos.
Um drama arrastado, que nada é dito diretamente, que nos deixa angustiados e desconfortáveis do começo ao fim, e ainda assim, é um filme excelente.
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