quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Investigação acerca (do crime) de Eduardo AT

Todas as janelas da casa dão para muros. Ele vive uma vida sem paisagem. 


Barrando a porta da sala de estar, uma mesa balcão com dois computadores. Empilhados: livros, revistas, dvds e cds, desordem de canetas, agendas. Fios entrecruzados à beira de um curto. Imaginam-se horas diante do escritório improvisado. Vida sem visitas. Caos no trabalho e nos dias. Utopia de alguém que insiste em ganhar a vida com escritos e filmes.

Estantes de metais encurvando livros. Burras de carga de um pretenso saber. Pouco mais que a metade com páginas anotadas a lápis, o que pressupõe que nem todas lidas.

Sobre a geladeira um boneco articulado em fuga. Adesivos em desordem. Lâmpada queimada na luminária dupla. Torneira estrangulada para não gotejar segredos martelando insônias na madrugada. Interruptores falhando em luz, impondo escuridão. [Na última gaveta da pia, interruptores e borrachinhas novas para o conserto que por preguiça, falta de tempo ou tédio não realiza.]

No guarda-roupa, calças tamanho 42 em harmonia com outras 48, assim como camisetas M com GG e XL (velhas e novas), o que pressupõe oscilação frequente de peso ou grave doença recente. O predomínio de camisetas pretas com gola V convivendo com outras, de cores diversas, nunca usadas. Luto ou equivocada forma de se fazer atraente. 

No cômoda, suplementos de academia em convivência com apostilas de cursinho. Anotações, rascunhos em papéis, planos de aula, lista de alunos, redações corrigidas, tudo denunciando a segunda profissão, que de mais antiga só perde para a das putas; mas sem igual prazer, igual reconhecimento e remuneração.

No criado mudo, a tristeza de contas por pagar e pequenos recibos com seu nome estampado em solidão, tudo reafirmando o fato de ser solteiro e estar por si.

Numa sacola, dúzias de preservativos tanto gritam dias de intensa promiscuidade ou de absoluta abstinência. Cuecas novíssimas, de marca cara dando indício de relacionamentos recentes, tudo a par de meias confortáveis da algodão, tênis diversos, bonitos, não-gastos, empilhados e que dizem, por isso, que ele precisa andar mais, viajar mais, buscar novos caminhos.

Na janela do banheiro, várias escovas de dente, pastas pela metade, pomadas para toda espécie de praga, alergias. Lâminas de barbear. Pinças. Cotonetes. O nonsense de pentes finos e xampu que  riem de sua cabeça raspada.

Na cozinha, o relógio que antecipa seus costumeiros atrasos, anuncia com seus ponteiros as 2:06 da noite, ao lado de um pinguim exilado que mira do alto a mesa onde pares de pratos comprovam um jantar noturno. O desleixo da mesa  e as panelas ainda quentes no fogão falam de uma noite compartilhada. Mas os cobertores e travesseiros em dois sofás distintos, voltados para tevê berram amizade (e não sexo) nesta noite fria de novembro.

Não há porta-retratos, imagens de santos na casa, poucos bibelôs (que desgosta), mas há um tarô no criado mudo cuspindo arcanos e destinos. Há também um baralho lacrado noutra gaveta, convivendo sem fé com uma bíblia, documentos postos em pastas e pequenos aparelhos eletrônicos, comprimidos para dores, gripe e azia. 

Agora pouco tocou o celular. São trinta e dois números listados na agenda. Seis ligam com frequência. Os torpedos mais recentes são de André, Cinha, Cristiane, Murilo, Matheus P e Lucas. Âncoras com mundo exterior que impedem que afunde em si? Trombetas que anunciam que a vida está lá fora, e se faz melhor nos encontros?

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Por fim, esse espelho atrás da porta do quarto para ele se ver, para se saber, para se fotografar vezenquando. Espelho que é testemunha ocular do espetáculo monótono dos dias, e que não lhe questiona o certo/errado do viver. Assim, paremos neste espelho, que amplia a ilusão do quarto e de si, já que todos os mínimos indícios do dia  vão dar no sujeito frente à superfície: ele que é dele mesmo a (sua) mais frequente companhia. 


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